Por Julia Baker

 

Finita começa com um vazio. O espectador entra no teatro e encontra apenas uma cadeira, um casaco e uma vitrola. Logo surge a questão que irá nortear o espetáculo: onde está o performer? Quem deve ser visto: a platéia ou o palco?

Denise Stutz joga com o lugar do palco e do espectador durante toda a sua apresentação. Primeiro ela desconstrói  o espetáculo. Ela apenas nos diz o que imagina que este poderia ser. A real criação da cena se dá na mente de cada espectador. Ao sermos embalados pela música que guiou Denise em sua criação, começamos a imaginar o que será e o que poderia ter sido o espetáculo que estamos assistindo.  Denise cria uma cumplicidade com seu público ao questioná-lo a todo minuto. Ela quer que ele participe de sua criação. Os contornos da apresentação são dados pelo público pois o verdadeiro espetáculo acontece nas imagens que o espectador cria a partir do texto de Denise. Apesar da dança ser uma arte ligada a visão, Denise quase não realiza movimentos, esses serão feitos pelo público, em sua imaginação. O espetáculo pode tomar várias formas, como a coreógrafa mesma diz: e se….

O “e se” se transforma eternamente dentro do espectador. Denise faz referência a diversos espetáculos e ativa essa memória em nós. Mas, da mesma forma que criamos o espetáculo de Denise em nossas mentes, recriamos as performances que ela evoca de maneiras diferentes. A ativação da memória individual de cada um se dá de forma diferente e o que guardamos de cada espetáculo é único, logo ao reativar os espetáculos para o público, Denise convida as pessoas a relembrar momentos vivenciados em certos espetáculos que o público assistiu e, caso não tenham essa referência, cada um cria um novo espetáculo em sua mente. Assim vamos, junto com a artista, criando memórias e nostagias de peças que nos são familiares ou inventando novas histórias.

Outro fator muito interessante em Finita é que o lugar entre o performer e o público é trocado constantemente. Através do deslocamente de Denise para a cadeira da platéia, a linha que existe entre palco e público é desfeita, esses se fundem constantemente durante os 40 minutos de espetáculo.

Finita consegue fazer parte de todos não apenas por ativar memórias relacionadas a espetáculos que assistimos. Assim como em seu solo anterior “3 solos em 1 tempo” , Denise coloca em cena questões muito intimas. Nesse novo trabalho ele nos apresenta uma carta que sua mãe lhe escreveu e fala sobre saudade e nostalgia. Denise nos expõe suas questões como filha e como mãe. O tempo passou mas sobrou a memória, a lembrança daqueles momentos em família. A memória de sua mãe estará sempre presente mesmo após a morte. Uma memória afetiva com a qual todos conseguem se indetificar e, mais uma vez, quebrar a barreira entre palco e platéia.

Ao final de sua apresentação podemos sentir essa mistura entre platéia e palco com grande intensidade. A ideia é que não exista mais audiência e artista, os dois são iguais pois a história que é contada; é contada por ambos. Essa história é sempre misturada e acrescentada aos nossos referênciais e, através dessa mistura, se torna o espetáculo que vi naquele dia em determinado momento de minha vida.

 

Sobre a autora:

Julia Baker é formada em Ciências Sociais e Produção Cultural. Atualmente termina o curso de extensão em História da Arte e da Arquitetura no Brasil na PUC/Rio. Já trabalhou na equipe de produção do Festival Panorama e atualmente atua como assessora curatorial no Museu de Arte do Rio (MAR).

Foto: CLAP