Ha! Cultura folclórica re-load de Bouchra Ouizguen

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Juliana De Souza

 

 

Ha!, espetáculo de Bouchra Ouizguen, apresentado no Festival Panorama 2015, começa no escuro, depois, levemente, passamos a ver imagens distorcidas de um branco-cinza-azulado que movimenta-se. Movimento e som, som que é voz.

 

O som, o movimento, a voz… Tudo começa a entrar em transe. A loucura do transe.

 

A iluminação que muda o ritmo e o tom.

 

  1. Som e Movimento
  2. Loucura
  3. Compaixão
  4. União e comunhão
  5. Morte

 

A loucura traduzida através do apelo à carne, ao desejo, ao corpo. O sexo reprimido. Ha! A vida em seu cotidiano. O que estas mulheres cantam é haram pelo simples fato de cantarem e a voz de uma mulher por ser sagrada não pode ser cantada em público.

 

Talvez seja ai o lugar subversivo das aïtas hoje. Mulheres, que para alguns podem ser julgadas como profanas e por outros sagradas, buscam um território para poderem se expressar sem serem julgadas, por isso do bordel/cabaré; longe dos julgamentos, mas próximas dos olhares famintos dos homens. Mulheres que transmitem pela oralidade a cultura folclórica de um povo.

 

A peça fala também desta união e comunhão, ou ainda, compaixão, entre as mulheres do islã, não é raro cenas em que vemos as mulheres juntas, dividindo tarefas e fardos de um mundo hiper machista.

 

Depois desta parte que denomino união e comunhão as mulheres trocam sutilmente o jeito de amarrarem os seus foulards.

 

Todas deitam, ou morrem, mas a tradição persiste. A luz muda e elas saem. O som, a voz continua, ecoa, não perece.

 

Bouchra propõem uma experiência, não há como sair do teatro neutro ou indiferente. Somos tomados pela emoção e pela experiência de algo que é real, trata-se de mulheres reais. A não-ficção – que é justamente a escolha da coreógrafa pela narrativa cotidiana – nos leva para um outro plano, um plano mágico. Ou seja, é a contradição de tratarmos do real, mas o real também como potencialidade do mágico e propor experiências estéticas necessárias para pensarmos a realidade social em que vivemos.

 

Ao final a grande mensagem de libertação destas mulheres: o foulard desaparece.

 

Sendo, portanto, o foulard o elemento cênico central da peça.

 

A partir do lenço, da sua mudança em ser amarrado e também no seu desaparecimento, podemos traçar a linha intencional da coreógrafa que é marcada pelo início frenético da dança dançada pelo movimento da cabeça. O momento que denomino união e comunhão é quando os lenços são amarrados de maneira diferente, há uma mudança sutil entre essas mulheres. E, por fim, a mensagem do lenço que não mais existe podendo suscitar uma mudança social e, por que não, revolucionária entre as mulheres como um todo.

 

 

 

Juliana De Souza é Licenciada e Mestre em Filosofia, ex-professora universitária, produtora artística e curiosa. Ela quer compreender a experiência que se situa no espaço existente entre a obra e o espectador. Interessa-se pela liberação de corpos presos aos códigos estéticos e sociais pela apropriação e mixagem de conceitos. Desde 2003 desenvolve pesquisas em filosofia contemporânea, estética e teoria crítica.

 

 

Texto produzido no LabCrítica no Festival Panorama 2015.

 

 Foto: HA!, de Bouchra Ouizguen | Cie O (C) Hervè Veronèse

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